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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Janelas de Nova Iorque

As luzes da velha e badalada cidade de Nova Iorque contagiam todos os habitantes da cidade que nunca dorme. Os turistas, fascinados com as luzes. E as pessoas ficam abobadas com os monstruosos prédios arranha-céus que cortam a cidade de ponta a ponta. Eu, seu narrador, um dos habitantes dessas enormes montanhas de concreto me sinto no dever de retratar os acontecimentos das vidas animalescas de meus vizinhos perturbados. Com auxilio de um Binóculo, estilo os profissionais que usam nesses filmes de agente secreto, eu consigo observar através das janelas vizinhas que retratam a vida alheia em forma de reality show; os acontecimentos mais grotescos e gritantes dos animais dessa selva de luzes.


Os mais intrigantes dos casos é o da velha Gatuna, este não é seu verdadeiro nome, é apenas um apelido dado referente ao seu estilo de vida, digamos por hora.


A velha Gatuna, é habitante de um dos maiores prédios do West Side de Nova Iorque, aparenta ser aposentada e com uma boa herança ou aposentadoria, a senhora Gatuna ostenta o luxo de seus soberanos companheiros Noturnos e Diurnos, seus numerosos Gatos! De todos os tipos e espécies e todos muito bem cuidados, muito limpos e bem alimentados. Na hora do jantar, a senhora Gatuna encomendava tiras de uma carne muito suculenta e cara, o entregador do açougue sempre deixava o apartamento com uma bolada de dinheiro em mãos. A velha, sempre sozinha, nunca recebeu visita muito menos familiares, sempre sozinha com seus gatos. Nas noites de sexta-feira a senhora gatuna ligava sua vitrola muito bem cuidada, feita em uma espécie de madeira que mantinha o tom de novo. E cantarolava e dançava Newyork, Newyork de Frank Sinatra, junto a sua família de gatos. Eu vinha observando a vida da velha Gatuna por meses e pude reparar que ela havia criado um cronograma pra sua vida. Todos os dias, uma rotina.


Como um desocupado por natureza, tive tempo suficiente pra seguir a vida monótona da velha Gatuna por quase um ano. Até que por minha surpresa, na véspera de natal deste ano de dois mil e nove, Dona Gatuna fez algo novo, uma mudança eu me senti ofendido por ela ter violado o pacto imaginário que eu criei, onde ela seguia o cronograma cegamente. Ela não estava em casa no horário em que deveria estar. Seus gatos também não. Seus móveis todos embrulhados em uma espécie de plástico para resistir à poeira.

Antes de completar meu raciocínio que estava inquieto e desesperado para descobrir o paradeiro da velha e seus felinos, fui cortado por uma gritante campainha. A minha campainha. Eu fui atender a porta por sinal meio incomodado, já que não estava esperando por ninguém, quando pus os olhos ao olho mágico pude ver uma senhora muito familiar entrando no elevador com um sorriso frágil que aparentava solidão, ‘Senhora Gatuna’ eu disse num to de desespero, assustado com aquela cena que eu jamais esperaria ver. Abri a porta com cautela, mesmo sabendo que ela não se encontrava mais ao hall de meu apartamento. Mas algo me incomodava. Tinha que abrir e conferir. A minha porta sobre o meu tapete de entrada havia uma cesta, muito bonita e rústica, tais como a mobília de Senhora Gatuna, dentro dela havia inúmeros gatinhos em miniatura feitos de uma porcelana cara e bonita, coisa de colecionador. Eu paralisado, sem reação, não estava entendendo nada, tudo era muito confuso, será que ela havia notado todos esses meses a presença de meu olhar espião atravessando suas janelas?! Sempre fui tão cauteloso, tão onipresente em sua vida, não esperava ser notado e não perceber que fui notado. Revirei a cesta mais cautelosamente e com os meus olhos observadores tentando ficar atento a todos os detalhes, até que notei uma carta escondida entre os gatinhos de porcelana, uma carta escrita em tinta preta sobre um papel dourado e brilhante, tudo aquilo aparentava ser muito caro, típico da senhora gatuna, ostentando luxos que não traziam retorno.


Observei o conteúdo da carta sem muita atenção estava mais interessado no numero de linhas e estrofes que ela escrevera. Fiquei mais calmo quando notei que eram poucas linhas e apenas uma estrofe, que sem demandas, li em voz alta.

“Querido observador, sei que você me observa há meses, nunca me importei com isso, sempre me senti mais segura sobre a graça de seus olhos. Não me sentia sozinha quando sabia que você estava me sondando. Agradeço pelo tempo que gastou observando minha vida. O seu tempo encheu o coração de uma pobre senhora como eu que gasta as riquezas ganhadas junto com o chavão de viúva de um jeito tão fútil e sem sentido. Hoje, é um dia diferente, eu mudei o meu percurso, violei o código de seguir uma vida monótona e corriqueira, estou me mudando para Londres, vou voltar a morar com minha filha. Assim tentarei levar uma vida onde possa ser notada por pessoas bondosas como ti. Nessa nossa amizade de longos meses onde apenas os nossos olhares e atitudes caseiras dizem quem realmente nós somos. Eu me tornei sua amiga. Abri minha vida para seus olhos curiosos. E como um grande companheiro que você foi. Não poderia ir, sem me despedir, portanto... Adeus.”


Senhora Gatuna, foi mais que uma simples vizinha, ela foi uma amiga, uma guarda, uma distração. Que compartilhou comigo as luzes da cidade que nunca dorme.

2 Observações:

thalita santi disse...

perfeito demais :)

Unknown disse...

Orra, muito bom! :))
Admito que até a metade do texto, o narrador parecia meio que um tarado pra mim, mas depois...ótimo. :) Variou um estilo do texto né O:

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